domingo, 23 de agosto de 2009

Mensalidades a partir de 1 dólar


Algumas salas de aula não têm sequer telhado, os professores não são lá essas coisas e os diplomas não valem para o governo - mesmo assim, o ensino particular de baixo custo virou um fenômeno na Índia

Tatiana Gianini
Revista Exame – 12/08/2009

Por 150 rúpias mensais, o equivalente a pouco mais de 3 dólares, um indiano da cidade de Hyderabad, no centro do país, pode matricular seu filho em uma das 13 unidades da rede privada de escolas Rumi Schools of Excellence. Fundada em 2008, a Rumi oferece a 7 000 crianças e adolescentes ensino primário e secundário de qualidade. No estado de Uttar Pradesh, um dos mais populosos da Índia, a Nine Star School, num esquema semelhante, atende 80 estudantes que pagam cerca de 50 rúpias, o equivalente a 1 dólar, por uma vaga numa classe correspondente ao ensino médio no Brasil.

A Rumi e a Nine Star são apenas dois exemplos de uma espécie de subversão educacional que toma conta da Índia. Nos últimos anos, milhares de estabelecimentos de ensino particular com mensalidades baixíssimas, em geral entre 1 e 6 dólares, proliferaram no país. Estima-se que a Índia já tenha cerca de 300 000 dessas escolas, reunindo quase 36 milhões de estudantes. "Elas são cada vez mais comuns e continuam se expandindo", disse a EXAME o indiano Gurcharan Das, ex-presidente da Procter&Gamble na Índia e autor do best-seller India Unbound - From Independence to the Global Information Age ("Índia sem fronteiras Da independência à era da informação global", ainda sem previsão de lançamento no Brasil). Os estabelecimentos de ensino de baixo custo em nada lembram as escolas particulares tradicionais, voltadas para os filhos da privilegiada elite indiana, caso da The Doon School, na cidade de Dehra Dun, em Uttarakhand. Enquanto a Doon é uma das escolas mais caras da Índia e cobra cerca de 3 000 dólares ao ano, os colégios de poucos dólares são acessíveis aos filhos de pequenos agricultores e puxadores de riquixá, em geral de castas menos favorecidas e o gasto com mensalidade costuma equivaler a seus ganhos em dois dias de trabalho. Paga-se por instrução, algo ainda limitado e desejado na Índia -- não por infraestrutura. As instituições populares ficam em áreas pobres e contam apenas com salas de aula espartanas, com lousa e carteiras. Alguns alunos da Nine Star, por exemplo, assistem às aulas em casas de tijolos de barro cobertas com sapé. Muitas dessas instituições não são reconhecidas pelo governo, o que faz com que vários estudantes continuem matriculados em escolas públicas para garantir o recebimento dos certificados oficiais.

Boas e baratas

Por que pagar para estudar num colégio com instalações precárias e cujos diplomas não valem nada? Para muitas famílias indianas que sonham com uma descendência mais próspera, o investimento faz todo o sentido. No ensino público, só metade dos professores aparece para trabalhar e não há fiscalização eficiente. A cada dia que passa, as escolas do Estado perdem mais o prestígio e o respeito. O que falta nelas pode ser encontrado nas escolas particulares de baixo custo. Os professores estão sempre presentes e isso tem reflexo direto na atuação dos alunos. Especialista em educação da Newcastle University, na Inglaterra, o professor James Tooley fez um teste de conhecimentos com alunos de escolas públicas e particulares da cidade de Nova Délhi. Os resultados, publicados em seu recente livro The Beautiful Tree, sobre educação de baixo custo, mostraram que os estudantes da rede privada acertaram mais de 40% das questões de matemática, ante a média de 24,5% dos estudantes que frequentam as escolas do governo. Em inglês, a diferença foi de 50% ante 15%.

Além do ensino mais eficaz, conta ponto a favor das escolas privadas o uso do inglês nas salas de aula. Na cidade de Hyderabad, por exemplo, mais de 80% das escolas particulares ministram todas as aulas no idioma, considerado pelos indianos uma ferramenta para a inserção no mercado de trabalho mais sofisticado. Embora regulamentado como língua oficial da Índia em 1967, o inglês só é ensinado na maioria das escolas do governo a partir da 5a série. As aulas no ensino público costumam ser em hindi ou em uma das outras 21 línguas oficiais da Índia, como o urdu. "O desenvolvimento da economia da Índia nos últimos anos tornou possível a ascensão social dos pobres, que já não veem a pobreza como um destino que deve ser seguido por seus filhos", afirma Gurcharan Das.

Em geral, os estabelecimentos privados de baixo custo são fundados por ex-professores e pequenos empreendedores regionais, que perceberam a lacuna deixada pelo sistema de ensino do governo e vislumbraram aí uma chance de fazer dinheiro. As escolas são negócios pequenos. A média de mensalidade é 5 dólares e o salário dos professores varia de 10 a 20 dólares. Nas zonas rurais, abatidos os gastos básicos, o dono de uma escola com 600 alunos pode embolsar mais de 40 dólares mensais, um dinheiro nada desprezível quando se considera que a renda per capita na Índia rural é de aproximadamente 30 dólares por mês. O crescimento do negócio vem atraindo também a atenção de empresários estrangeiros. O fundo americano Gray Ghost, especializado em microcrédito, criou em janeiro a Indian School Finance Company, em Hyderabad, que oferece pequenos empréstimos a partir de 20 000 dólares às escolas de baixo custo locais. A quantia é usada para comprar equipamentos e móveis e para realizar reformas. Até o fim de junho, 87 escolas haviam sido beneficiadas com empréstimos.

O serviço educacional de baixo custo é inovador e tem feito sucesso, mas está longe de representar um modelo a ser copiado por outros países. Tampouco é a salvação para o sistema educacional indiano. As escolas baratas têm uma série de problemas, a começar por suas instalações. A maior parte dos colégios não tem infraestrutura básica, como banheiros e telhado. Os professores, apesar de presentes, têm baixa qualificação. Segundo a pesquisa de James Tooley, nas escolas privadas de baixo custo de Hyderabad, de 30% a 40% dos mestres não têm formação superior, ante 7% nas escolas do governo. "No geral, essas escolas oferecem um ensino de qualidade limitada", disse a EXAME o indiano Subir Shukla, um dos autores do livro Low-Cost Private Education, sobre o fenômeno da educação barata.

O ensino é um desafio da Índia desde sua independência da Grã-Bretanha, em 1947. Na época, o país herdou uma população em sua maioria analfabeta. Ainda hoje, apenas 61% dos indianos em idade adulta sabem ler e escrever (no Brasil, a taxa é de 89%). E, apesar dos esforços para incorporar todos ao sistema de educação, estima-se que 60 milhões de crianças entre 6 e 14 anos estejam fora da escola. Uma das razões para isso seria o fato de que, há tempos, o governo indiano dedica a maior parte da atenção e de recursos ao ensino superior. A política contribuiu para o desenvolvimento de setores como a tecnologia da informação, mas deixou às moscas a educação básica. A criação das escolas de baixo custo é uma reação da sociedade indiana a uma realidade que condena boa parte da população à ignorância e à miséria.

Notícia original em: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/educacao/educacao-privada-baixo-custo-490507.shtml?func=2

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